Regina Guerreiro: “O ‘look do dia’ das blogueiras é um antilição de moda”

Primeira editora de moda de MANEQUIM, Regina também é conhecida como uma das profissionais mais ousadas e irreverentes do mercado fashion nacional. Confira a entrevista exclusiva

Regina Guerreiro é uma lenda. Começou a carreira nos anos 1960,
quando a moda nacional ainda nem existia, e teve papel importante na história
de MANEQUIM – entre 1964 e 1969, ela foi de redatora à redatora-chefe; produziu, editou e dirigiu ensaios memoráveis da nossa revista.  Hoje, aos 76 anos, mostra que nunca é tarde
para se reinventar.

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Mais antenada do que nunca,
protagonizou no YouTube a websérie Enjoy ( www.youtube.com/user/canalcavalerabrasil). Nesta entrevista, em seu apartamento em São
Paulo, a mais irreverente e experiente jornalista de moda do País revela seu
olhar crítico sobre a moda atual.  Nesta entrevista, inclusive, ela critica a banalização da moda
pelas blogueiras. Confira:

Você foi pioneira na área e continua superantenada. Como
acompanha a moda hoje?
Eu navego bastante na internet e leio muito, sobre tudo. Já faz algumas
temporadas que não acompanho as semanas de moda daqui. Quando vou, vejo no
máximo três desfiles. Nunca há nada novo…

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 A moda é o retrato de cada época. O que expressamos atualmente?
A moda muda a cada 25 anos; mudou com Dior, com Chanel… em 1965,
teve explosão do grafismo, da op-art, por exemplo. O que  temos agora é um patchwork de várias décadas.
Não espero mais nada de novo em criação de moda. Só se inventarem uma nova matéria-prima…
mas nem consigo imaginar qual seria!

Há uma falta de identidade?
No mundo todo há uma banalização do bom gosto, do corpo e do que é
bonito.  Muitos anos atrás, escrevi que a
moda dos anos 2000 seria uma mulher pelada cheia de tatuagens: acertei! (risos)
O que temos hoje é uma reprodução em massa da maneira de se vestir. As pessoas
não têm mais personalidade visual.


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Hoje vivemos uma retomada dos trabalhos manuais, feita por
jovens, e cuja estética está cada vez mais presente nas passarelas. Esse movimento não
seria um fôlego de originalidade?

Se esse movimento vingar, sim! Antigamente as meninas aprendiam a
bordar e costurar. Isso é importante quando o assunto é trabalhar com moda, não
importa o cargo. Minha mãe dizia que quem não sabe fazer não sabe mandar.

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O mundo da moda é conhecido pelo esnobismo e pela alta
competitividade. Foi assim desde o começo?

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É uma bobagem ter esse ‘carão’ (expressão esnobe) e acho que
existe uma imagem exagerada desse universso. Mas o mundo fashion é lamentável,
pois existe,  sim, muita inveja e abuso
de poder. Estamos vivendo um momento novo com a democratização da moda e o
surgimento de novas linguagens. A internet trouxe muita coisa nova e ajudou a
desmistificar esse universo.

A internet trouxe, inclusive, as
blogueiras, que ocupam as primeiras filas dos desfiles e influenciam milhares
de pessoas…

Não tenho nada contra blogs e até já tive um. Mas acho um absurdo
algumas blogueiras nada originais estarem no topo da mídia como referência de
moda. Elas são um retrato da “não moda”, assim como o “look do dia” é uma
antilição de bom gosto. Não basta ter dinheiro, usar as tendências da cabeça
aos pés e sair por aí influenciando todo mundo a se vestir igual. Moda não é
isso.

Falta conteúdo?
Sim, e não só entre as blogueiras. Para trabalhar
com moda, não basta gostar e consumir moda. É preciso ter referências, e eu não
estou falando de recortar revistas. É necessário ler muito sobre artes
plásticas, cinema, cultura geral e comportamento. 
                          

Quais os momentos mais marcantes da sua
carreira?
Foram muitos. Mas o começo da moda brasileira foi
intenso. Assim como conhecer nomes que revolucionaram a moda. Em uma das passagens
do estilista italiano Pierre Cardin por aqui, fui recebê-lo no aeroporto de
Congonhas, em São Paulo. A imagem dele e de suas modelos descendo do avião foi
inesquecível. Eu era só uma menina de tailleur, mas era imbatível!

 Você ficou um tempo longe do mercado e, recentemente,
voltou com tudo com a Enjoy, sua websérie no
YouTube em parceria com a Cavalera. Como foi se reinventar?

Eu me afastei muito. Morei em Paris de 1997 a 2004. Depois, de
volta, perdi uma pessoa querida, tive um problema de saúde, fui roubada e
comecei do zero. Certa vez, almoçando com o Alberto Hiar (dono da Cavalera), comecei a contar umas histórias e ele falou: “Você precisa gravar
isso”. A Enjoy nasceu assim e já estamos na segunda temporada. Faço todas as pesquisas de imagens e textos. A cada episódio é um
novo aprendizado e, no ar, estou sendo eu mesma! Gosto de novidades, mas não
faço planos de longo prazo.  Meu futuro é
hoje. Ou daqui a pouco…

Você sempre foi irreverente?

Sempre! Mas, com a idade, aprendi a ser mais tolerante do que era
antes. Eu era imbatível, uma profissional completa, e muitas vezes não
respeitava o ritmo diferente das pessoas. Uma vez me perguntaram se era difícil
ser Regina Guerreiro. Respondi: dificílimo! (risos)